Grande Entrevista
Luís Falcão, licenciado em argumento
cinematográfico pela escola superior de teatro e cinema. Publicou em 2007 o livro de poesia
Pétalas Negras Ardem nos Teus Olhos. Actualmente, lecciona a disciplina de Estruturas Narrativas na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes aos alunos de
Vídeo e Cinema Documental. Falou sobre o seu mais recente livro e onde e como
se inspira para escrever. Abordou ainda o que pensa sobre o percurso atual
do cinema português.
Publicou
em 2006 um livro intitulado “Pétalas Negras que ardem nos teus Olhos”. Podia-nos
falar um pouco do seu livro e qual foi a receptividade do público?
Penso
que o livro tem sido bem recebido. Todas as indicações que tenho tido têm mostrado
que as pessoas se relacionam muito com ele. É difícil para alguém que escreve
perceber ate que ponto é que alguma coisa que é nossa é recebida pelos outros,
mas tenho sido bastante acarinhado, o que me faz sentir muito satisfeito. Não
foi um livro lançado, pois fiz questão de deixa-lo um pouco ao abandono e
perceber ate que ponto é que as pessoas se poderiam relacionar com ele. Acabei
por ir constatando que à medida que iam passando as pessoas iam descobrindo o
livro e isso foi extraordinário para mim.
ESTA Jornal O
que é para si a escrita?
L. F - É
uma dor tremenda, uma luta constante, mas sobretudo um sentido de obediência a
um anjo que nos visita. Não sinto que seja responsável pelo resultado final,
pois sinto que o grande trabalho que eu tenho é o de estar à escuta e lutar
contra aquilo que me pode perturbar de escutar e de acolher essa visita desse
anjo, que de algum modo trás alguma coisa para me dar.
ESTA Jornal - Onde
se sente mais à vontade para escrever os seus livros?
L. F - É
uma coisa curiosa porque eu sinto que as ideias, as imagens e as palavras
chegam mais frequentemente quando estou em viagem e quando corto com o espaço
de rotina, como se de algum modo a alma precisasse de cortes e fracturas para
poder ser visitada. Tenho a sensação que é sempre nos momentos em que me afasto
do que é conhecido e confortável que crio espaço para que alguma coisa
aconteça. Quando estou numa situação qualquer de não conforto é que as coisas
podem acontecer.
ESTA Jornal - Que
preocupações tem quando ensina cinema?
L. F. - A
minha grande preocupação é passar aos alunos a importância de ter um olhar, uma
voz e uma fidelidade própria ao seu caminho. Penso que estas são as questões
mais importantes para quem quer alguma vez fazer um trabalho que seja válido,
pois acredito mesmo que é na fragilidade que radica a maior força. Na
fragilidade do nosso olhar, na medida em que somos únicos, na medida em que
somos apenas pessoas que olham as coisas a partir de um determinado ponto de
vista, que não é partilhável com ninguém, na medida em que cada um de nós ocupa
o seu lugar, o seu próprio ponto. Sinto que é tentar de algum modo mostrar aos
alunos a importância do ponto que eles habitam, daquilo que eles são, daquilo
que de insubstituível e milagroso que cada um deles tem em si e preservarem e
acarinharem essa dimensão única e insubstituível, porque é disso que a sua obra
se irá alimentar. Para mim o que verdadeiramente conta no ensino e no que quero
passar aos alunos é a importância deles perceberem que aquilo que têm para dar
já neles habita e o que importa é que não percam aquilo que já têm ao longo do
percurso académico, porque muitas vezes o que acontece é que vamos sendo tão
inundados de tantas perspectivas que acabamos por esquecer que aquela que é
única é exactamente a nossa e essa é que é importante.
ESTA Jornal - Então
a escrita para eles é essencial?
L. F - Espero
que sim. Sinto que se eles aprenderem a importância de algumas das reflexões
que temos vindo a tomar desde o início dos tempos… Eu nas minhas aulas falo
muito na importância e na ocorrência de ideias desde o princípio dos tempos e
chego sempre à conclusão que aquilo que conta para o ser humano continua a ser
coisas muito limitadas: o amor, o medo de morrer, o que fazer para preservar o
amor, como não perder a esperança, como perder o medo, como lidar com a morte
de uma forma digna. Há uma série de questões que os homens nunca deixaram de
colocar para às quais nós, ainda hoje, continuamos a ter que encontrar respostas
e creio que é nesse número muito reduzido de questões verdadeiramente
importantes que cada um de nós pode encontrar o ponto onde verdadeiramente pode
fazer alguma coisa de único. Isto de conhecer o pensamento e a reflexão humana
não é limitador, pelo contrário, percebemos que cada um de nós nesta tremenda
fragilidade, nesta ausência de respostas e de caminhos pode ter uma palavra a
dizer na sua singularidade. Eu e o meu amigo, que agora está aqui sentado à
minha frente, sentimos o amor, a morte, a doença, a amizade de uma maneira
absolutamente única e é dessa forma como vivemos e sentimos todas essas experiências
que podemos acrescentar um novo matiz à forma como a humanidade olha para estas
questões, mas isto é verdadeiramente o trabalho do artista, acrescentar novos
matizes à realidade.
ESTA Jornal - O
ser humano está sempre à procura de algo. É isso que pretende transmitir?
L. F - Sim,
sinto que verdadeiramente é isso. Creio que verdadeiramente o ser humano é uma
conquista, não é por termos nascido humanos que já somos humanos, eu acho que
nós nos tornamos humanos na medida em que percebemos
que temos a possibilidade de nos afastar da animalidade, de procurar outras
dimensões que nos colocam num patamar mais alto. Creio que a espiritualidade é
uma questão fundamental, espiritualidade no sentido em que nós somos capazes,
enquanto seres humanos, de criar mundos invisíveis, de perceber que há outras
formas de habitar o tempo e o mundo, que são distintas daquela que a maior
parte que os seres humanos nos dizem que são as únicas na vida. Há outras
formas de viver e creio que ao longo da experiência humana o que nós devemos é
nunca perder de vista esta tentativa de tentar encontrar uma forma mais
profunda de viver esta experiência que nos é dada acho que este é um trabalho
que nunca pode deixar de ser feito e cabe-nos a nós que estamos agora a viver
este tempo encontrar uma nova forma de responder a estas questões porque as
questões são eternas, a forma como nós vivemos e o tempo que nos é dado a viver
é que não, mas nós podemos encontrar uma forma mais profunda de viver este
tempo que agora é o nosso.
ESTA Jornal - O
amor seria solução para acabar com o egoísmo?
L. F - Pois,
nem sempre é fácil amar aqueles que nos fazem mal, de facto nós sabemos que a
experiência do mal é das experiências mais fracturantes daquilo que é a
experiência de vida e de percebemos até que ponto é que a dor e o sofrimento
nos transformam, mas é exactamente aí que está a questão, é no momento em que
nos somos capazes de interromper o círculo espiral da violência, a
possibilidade de interrompermos a resposta violenta é uma das coisas mais
importantes. Do ponto de vista da história das ideias nós temos visto como isso
foi fundamental com o Gandi com o Mandela e repare, nós não estamos a falar de
deuses, estamos a falar de homens que foram capazes de, em momentos históricos
e de uma perspectiva política, dar uma resposta à humanidade clara: que uma
resposta não violenta contra uma atitude violenta pode estancar essa violência,
não que estanque imediatamente, mas pelo menos a pessoa que sofre o acto
violento eleva-se a uma dimensão completamente distinta e protege-se, de algum
modo, de sentir o ódio e o rancor, e eu sinto que aquele que sofre, aquele que
permite que esse sofrimento se transforme em ódio, de algum modo corrói-se
interiormente, e perde o que verdadeiramente importa: a sua própria essência
que é obviamente o amor.
ESTA Jornal - Qual a sua opinião sobre o cinema Português?
L.F - A
minha opinião é que o cinema português ainda não encontrou espaço para se
tornar complexo. O cinema português vive numa espécie de trincheira, em que se
dividem os filmes comerciais e os filmes de autor e ainda não ouve espaço para
se perceber que uma espécie de terceira via, em que se pudessem contar
histórias com inteligência, sensibilidade e sem que isso significasse,
imediatamente, ser cinema comercial, ou que isso significasse ser filme de
autor era o ideal. Quando nós pensamos num realizador como o krvysztos
kieslowski percebemos que é alguém que está a contar histórias, mas ao mesmo
tempo conta-as com uma dimensão autoral muitíssimo profunda e muitíssimo
marcada. Em Portugal ainda não houve espaço para aparecer alguém como o
krvysztos kieslowski porque as pessoas sabem que ou vão pertencer à trincheira
dos autores, ou vão pertencer à trincheira dos ditos filmes comerciais e isto,
empobrece muito a palete do cinema português.
Nota - Excerto de uma entrevista que fiz para uma unidade curricular quando estudei no curso de Comunicação Social em Abrantes para ser publicada no jornal da escola.
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